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A governança global
Uma das características principais dos Estados modernos é que
eles são vários:
não há um Estado Global, um governo mundial. Isso significa que
os vários
Estados precisam negociar suas diferenças e se organizar para
enfrentar problemas
que não se restringem às suas fronteiras. A governança global é
o processo
em que Estados diferentes, além de movimentos e instituições
internacionais,
negociam e criam instituições e regras globais para regulamentar
as
relações entre eles.
Em certo sentido, o sistema internacional se parece com o “estado
de natureza”
descrito por Thomas Hobbes (ver Capítulo 11): embora em cada
território haja
uma autoridade reconhecida (o Estado), não há uma autoridade que
subordine
os diversos Estados. Não por acaso, Hobbes influenciou muitos
autores que estudam
as relações internacionais. Entretanto, ao mesmo tempo que os
Estados
não desejam abdicar de sua soberania em favor de um governo
mundial, também
não têm interesse em uma “guerra de todos contra todos”. Por
isso, embora não
haja um governo mundial, os Estados desenvolveram algumas regras
e instituições
para garantir um mínimo de convivência pacífica.
A formação dos Estados Nacionais produziu um sistema
internacional que se
baseia na competição entre eles e no reconhecimento da
autoridade de cada Estado
dentro de seu território. O sistema de Westfália ficou assim conhecido porque
se considera que seus princípios foram reconhecidos pelo Tratado
de Münster
(cidade na região de Westfália), assinado em 1648, que encerrou a
Guerra dos
Trinta Anos na Europa. Entre as características
do sistema de Westfália,
descrito pelo cientista político
inglês David Held (1951-), destacamos
as
seguintes:
1. O mundo consiste de Estados soberanos que não reconhecem uma
autoridade
maior do que eles.
2. A cada Estado cabem as funções de fazer leis, aplicá-las e
julgar disputas dentro
de seu território.
3. O direito internacional tem como objetivo garantir algumas
regras mínimas de
coexistência entre os Estados.
4. As divergências entre os Estados serão resolvidas, na grande
maioria das vezes,
pela força.
5. A prioridade do sistema é colocar apenas um mínimo de
restrições para a liberdade
Esse sistema predominou por vários séculos e,
em boa medida, ainda é vigente. Entretanto, o sofrimento
e a destruição que as duas Guerras Mundiais
do século XX causaram no mundo todo fizeram
crescer a ideia de que alguma forma de
coordenação entre os Estados precisava existir,
para evitar catástrofes como aquelas. O advento
das armas nucleares, em especial, criou uma situação
inédita na História: a possibilidade real de
que uma guerra entre os países mais poderosos
do mundo exterminasse a espécie humana.
Diante desses desafios, desde 1945 (fim da Segunda
Guerra Mundial) tem se formado uma nova
maneira de pensar a governança global. O símbolo
máximo dessa nova concepção foi a criação da
Organização das Nações Unidas, cujo objetivo é
servir de espaço onde os diferentes Estados podem
tentar resolver suas diferenças pacificamente.
As instâncias mais importantes da ONU são a
Assembleia Geral, em que cada um dos seus mais
de 190 países-membros tem direito a um voto, e o
Conselho de Segurança, formado por cinco membros
permanentes (Estados Unidos, Inglaterra,
França, Rússia e China) e um grupo de dez membros
que se alternam. Nada pode ser aprovado
sem a concordância dos membros permanentes: é o princípio da “unanimidade
das
grandes potências”.
Entre as características do sistema das Nações Unidas descritas
por David
Held, destacamos as seguintes:
1. O mundo consiste em Estados soberanos que, entretanto, mantêm
entre si relações
próximas. Em alguns casos, indivíduos ou grupos podem ser
reconhecidos
como atores legítimos nas relações internacionais. Isso
acontece, por
exemplo, quando indivíduos ou grupos étnicos perseguidos em seus
países
apelam a tratados internacionais para defender seus direitos.
2. Povos oprimidos por impérios coloniais têm o direito de
determinar o próprio
destino.
3. Há alguns valores que devem limitar a ação dos Estados. O uso
da força em
situações em que esses valores sejam violados não deve ser
considerado legítimo.
Por exemplo, o genocídio, isto é, o assassinato em massa dos
membros
de algum grupo étnico (como os nazistas fizeram com os judeus) é
proibido
em toda e qualquer situação.
4. Há uma preocupação maior com o bem-estar dos indivíduos e um
esforço para
que os Estados tratem seus cidadãos de acordo com alguns padrões
mínimos
(por exemplo, não submetendo minorias étnicas a situações degradantes).
5. O objetivo do sistema é garantir a paz e o progresso dos
valores e direitos fundamentais
A ONU tem diversos organismos e fundos que atuam em áreas
específicas.
Dois exemplos são a Organização Mundial de Saúde (OMS), fundamental
no combate
às epidemias globais, e o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef),
que apoia políticas pela educação, alimentação e proteção de
crianças.
Além da ONU, há outras organizações internacionais com
importante atuação,
como a Organização Mundial do Comércio (OMC), que tenta
incentivar o
livre-comércio entre os países, e o Banco Mundial, que fornece
empréstimos e
consultoria para projetos de desenvolvimento. Há, também,
instituições que
buscam regulamentar diferentes aspectos da vida internacional,
dos padrões de
segurança nas viagens aéreas até o funcionamento da internet.
Seria equivocado dizer que o sistema das Nações Unidas
substituiu o sistema
de Westfália. As Nações Unidas não têm o monopólio da violência
legítima no
mundo; aliás, nem sequer têm um exército. Não é raro que grandes
potências declarem
guerra sem autorização da ONU, como ocorreu em 2003, quando os
Estados
Unidos invadiram o Iraque. E, nas grandes negociações
internacionais, os
Estados continuam sendo reconhecidos como principais
representantes da população
de cada território. Dessa forma, a maior parte da política
internacional
ainda é feita por acordos ou guerras entre Estados.
Entretanto, também seria errado dizer
que nada mudou. As Nações Unidas permanecem
como um fórum de debate dos
problemas mundiais. Além disso, a organização
desempenha funções importantes,
como na formação, envio e manutenção
de forças de paz para atuar em áreas
onde
tenham ocorrido guerras civis.
Se é verdade que a política internacional ainda é feita
fundamentalmente
pelos Estados, também é verdade que parte importante dela
consiste em tentar
influenciar as organizações internacionais, ou utilizá-las para
os objetivos
de cada país. Assim, parte importante da luta econômica entre os
Estados
(relacionada, por exemplo, ao protecionismo econômico) se dá nas
negociações
da Organização Mundial do Comércio. Se a globalização continuar
a se
desenvolver, é provável que esse tipo de negociação se torne
cada vez mais
decisiva.
Há, enfim, uma última razão pela qual as organizações
internacionais são
importantes: elas são um espaço para que os diferentes países
legitimem seu
poder no cenário internacional. O especialista em relações
internacionais estadunidense
Joseph Nye Jr. (1937-) criou o conceito de poder suave para
descrever
a capacidade que os países têm de atrair aliados por meio de
seus valores
e de sua legitimidade. Por exemplo, muitos adversários dos
Estados Unidos não
apoiam a rede fundamentalista Al-Qaeda (que periodicamente
realiza atentados
contra alvos dos Estados Unidos e de seus aliados) por rejeitar
os valores
religiosos que ela defende. Podemos dizer, portanto, que a
Al-Qaeda tem um
poder suave bastante limitado: pessoas e instituições que
poderiam se aliar a
ela não o fazem porque não concordam com seus valores.
As organizações internacionais, por serem espaços em que os
países discutem
pacificamente suas diferenças, fortalecem a legitimidade dos que
nelas
atuam. Voltando ao exemplo da invasão do Iraque pelos Estados
Unidos:
embora esse fato mostre que a ONU não teve poder para impedir a
invasão,
é significativo que os Estados Unidos tenham antes tentado
convencer os demais
países-membros da organização de que ela seria justificável. É
também
possível notar que a decisão de invadir sem autorização da ONU
diminuiu o
poder suave estadunidense: cidadãos de diversos países aliados
aos Estados
Unidos não reconheceram a legitimidade da invasão e passaram a
exigir que
seus
governos deixassem de apoiá-la.
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